sexta-feira, 15 de julho de 2011

Luiz Marins e a História de pescador - o Guru de Galvão Bueno

 

Marins é um palestrante bem conhecido no meio empresarial e universitário.   Com artigos que escreve em jornais, programas na Tv, é difícil alguém que não o conheça ou não tenha lido um artigo seu, principalmente aqui em Sorocaba, sua terra Natal. As pessoas assistem suas palestras e saem meio hipnotizadas e repetem seus jargões ou seguem suas abordagens como algo infalível, inquestionável ou isento de qualquer análise mais profunda ou apurada. Sempre que assistia seus vídeos ou lia seus artigos, achava que tinha algo que, bem digamos, não era tão verdadeiro ou isento de algum questionamento mais profundo. Bem, ao ler este artigo, vi que não era somente eu que tinha essa impressão. Basta ter um pouco de senso crítico para perceber que realmente tem hora que ele "viaja" em suas palestras e artigos. Não que o que ele escreve ou fala em suas palestras e vídeos seja necessariamente bobagens, não, tem até algumas coisas interessantes, embora na maioria das vezes sejam redundantes e óbvias; o que ocorre é que tem horas que parece que ele está em outro planeta, ou numa espécie de ilha da fantasia, ou quando não, cria fatos, números e situações que fazem dele uma espécie de Galvão Bueno do meio empresarial, tal seu ufanismo e "estórias" que estão presentes em suas apresentações e artigos. Eu as vezes ainda leio ou vejo seus artigos, mais com uma opção para descontrair do que para propriamente tirar algum aproveito intelectual. Me divirto com ele, diante de tudo isso Marins se tornou para mim um personagem cômico, embora tem horas que assim como faço quando Galvão Bueno está narrando um jogo, a melhor opção é trocar de canal e procurar por algo mais proveitoso. Ele me MOTIVA a fazer isso.

 

          


História de pescador

O caso de sucesso de um consultor que tem vários cursos universitários, doutorado na Austrália, pós-doutorado em Londres - ou apenas uma imaginação fértil


David Cohen, da EXAME
 
Luiz Almeida Marins Filho, 52 anos, é um dos profissionais de maior sucesso no concorrido mercado de palestras motivacionais no Brasil. Sua agenda está sempre lotada - ele diz receber uma média de três pedidos de palestra por dia -, e a Commit, empresa que vende seus livros, fitas de vídeo e brindes motivacionais, fatura entre 3 milhões e 4 milhões de reais por ano. A Anthropos Consulting, holding que inclui sua empresa de consultoria e alguns outros negócios, como a venda de viagens para executivos, movimenta o mesmo tanto. Em quase 20 anos de trabalho na área de motivação, Marins possui uma lista de clientes invejável, com serviços prestados a dezenas de grandes companhias, do grupo Gerdau à IBM, do BankBoston à Grendene, da Xerox à Editora Abril. Ele ostenta o título honorífico de reitor da Universidade AmBev, por ter ajudado a criar o programa de desenvolvimento profissional dos quadros da maior cervejaria brasileira. Recentemente, prestou o mesmo serviço à Telemar. Marins também já chegou à televisão: costumava aparecer na Globonews e hoje estrela o programa Motivação & Sucesso, que vai ao ar todos os domingos, na Rede Vida, e participa do Show Business, de João Dória Jr., também aos domingos, na Rede TV! Não é difícil entender seu sucesso. Marins é um personagem extremamente interessante. Baixo, rechonchudo, de fala rápida, com sotaque do interior de São Paulo (é natural de Sorocaba) e enorme poder de comunicação - capaz de prender a atenção de uma platéia durante duas, às vezes três horas, apenas no gogó -, ele aborda temas complexos de economia e administração com uma simplicidade que os torna acessíveis a todo tipo de espectador. Sempre atento aos casos de empresas estrangeiras e idéias de consultores e estudiosos do mundo corporativo, muitas vezes funciona como antena que capta as novidades para as empresas que o contratam. Só essas características já lhe garantiriam lugar de destaque entre os palestrantes brasileiros, mas Marins exibe, ainda, um currículo de fazer inveja. Eis algumas das credenciais que costuma apresentar: Ph.D. em antropologia na Austrália, com pós-doutorado em macroeconomia em Londres, pela prestigiadíssima London School of Economics (o berço da doutrina da Terceira Via entre capitalismo e socialismo). Formado em história e contabilidade, estudou direito e fez inúmeros cursos em universidades no Brasil e no exterior. Professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas. Foi diretor de tecnologia da ONU. Presidente de duas empresas nos Estados Unidos, a Consortium System, em Nova York, e a Triangle Freightliner of Ralleigh, na Carolina do Norte. Criador do conceito de antropologia empresarial, que sua consultoria aplica em centenas de casos por intermédio de seus escritórios em Sorocaba, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Nova York e Londres. Só há um pequeno problema com esse currículo extraordinário. É que ele é, digamos, um pouco fantasioso. O Ph.D. na Austrália, por exemplo. O título, que aparece aposto ao seu nome em todos os livros, material de propaganda e currículos, refere-se a um curso que Marins fez na Universidade MacQuarie, em Sydney, nos idos de 1972. Ele freqüentou as aulas de sete disciplinas. Passou com grau A em duas delas, teve grau B em outras duas, grau C em uma, e foi reprovado em duas. Mesmo assim - e embora o curso em que esteve matriculado especificasse com todas as letras que não outorgava título -, voltou convencido de que tinha feito um doutoramento. O que lhe sustenta essa impressão é uma carta do professor de antropologia Chandra Jayawardena, então chefe da Escola de Ciências do Comportamento. A carta diz que Marins cumpriu as exigências para um título de doutorado, que lhe foi outorgado em 1973 com base na tese A Influência do Islã na Política e na Sociedade da Indonésia e no trabalho Parentesco e Território como Princípio da Organização Local na Malásia. Jayawardena morreu em 1981, o que dificulta a tarefa de entender o significado dessa carta, datada de 1977, cinco anos depois do término do curso. (Segundo Marins, a carta não foi enviada antes porque o pessoal da universidade tinha medo que ela se extraviasse.) A secretaria da Universidade MacQuarie, no entanto, é enfática: "Em nenhum momento o senhor Luiz Almeida Marins recebeu um título de Ph.D. nem escreveu uma tese". "Isso para mim é uma surpresa muito grande", afirma Marins. "Eu nunca duvidei do Chandra. Sempre acreditei naquela carta. Se é oficial, se não é oficial, nunca me preocupei em verificar." Em resumo: Marins diz ter acreditado que obteve título de doutor após freqüentar um curso de apenas um ano, especificamente não válido para titulação, com duas reprovações e sem tese. Se não tem doutorado, é óbvio que Marins não poderia ter um pós-doutorado em Londres. De fato, embora essa informação esteja impressa em todos os seus nove livros, Marins admite que não fez um curso em Londres. O que ele fez foi assistir a um programa de introdução à macroeconomia, de 48 horas-aula, em Sydney, organizado pela Sociedade Antropológica de Nova Gales do Sul, em cooperação com a London School of Economics. As credenciais de Marins não são deslavadas mentiras. Assemelham-se mais a histórias de pescador, com alguma ligação com a realidade - ainda que às vezes tênue demais. É o caso dos escritórios da Anthropos no exterior, que são na verdade apenas representações, sem funcionários próprios. Assim é, também, que ele se considera professor da Fundação Getúlio Vargas, pelo fato de ser chamado para dar palestras de abertura de alguns cursos de MBA. Ou se intitula ex-diretor de tecnologia da ONU, por um raciocínio de reação em cadeia: ele foi coordenador das assessorias do Cenafor, um programa de formação profissional apoiado pela ONU, na década de 70. Pelo mesmo raciocínio, o fato de um assessor do governo ter pedido alguns dados sobre o Brasil que ele costuma apresentar em suas palestras o faz dizer que ajudou a preparar a viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso à Alemanha, no ano passado. Às vezes, as fantasias de Marins podem correr soltas. Ele é capaz de dizer que dá cursos duas ou três vezes por ano no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e na London School of Economics, que Jack Welch, ex-presidente da GE, e Michael Eisner, da Disney, assistiram a suas palestras, que tem alunos de MBA em Harvard, que seus escritórios empregam 180 consultores fora do Brasil, que dona Ruth Cardoso foi sua professora de antropologia, que "as pesquisas que a gente cansou de fazer nas escolas de economia do mundo inteiro dizem que não haverá mais inflação no mundo nos próximos 50 a 80 anos", que o Prêmio Nobel de Economia do ano passado, James Heckman, perguntou a ele, como antropólogo, por que os brasileiros tinham tão baixa auto-estima... Ou, ainda, que a revista EXAME recebeu 5 mil e-mails comentando o artigo "A taça está cheia", que ele escreveu na edição 718, de 12 de julho de 2000 (segundo Marta Leone, a supervisora de atendimento ao leitor, cinco seria um número mais próximo da realidade). Todas essas frases foram proferidas numa palestra no final do ano passado, gravada em vídeo. Nas apresentações vistas por EXAME, ele foi bastante mais contido. É no mínimo curioso que Marins costume dizer, em suas palestras, que "nós, os brasileiros, a gente tem mania de chutar". Por isso, ele recomenda que não se aceite nenhuma informação sem fonte. "Acho que nós temos de passar de uma consciência ingênua para uma consciência crítica." É uma pena que uma das primeiras vítimas dessa consciência crítica seja o próprio Marins. Porque, descontando todos os arroubos de sua imaginação, ele tem um bom conteúdo. Contra todas as vozes derrotistas, Marins se exalta em defender a vocação de grandeza do Brasil, e instiga as pessoas a fazer mais e reclamar menos. É claro que há exageros e incorreções. Ele se recusa, por exemplo, a aceitar que uma queda do índice de desemprego não implique necessariamente numa melhora da situação econômica. É uma sutil diferença entre desocupação (não ter trabalho) e desemprego (não estar procurando trabalho), que não deveria ser problemática para alguém que se diz pós-doutorado em macroeconomia. De qualquer forma, é uma pena que, pondo sua credibilidade em jogo, ele lance dúvidas sobre seu discurso, que, em linhas gerais, está na direção certa. Nem tudo no currículo de Marins são devaneios. Ele é, sim, formado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba. Também cursou quatro anos da Faculdade de Direito de Sorocaba, com boas notas, mas desistiu do curso. Ele tem diploma de contabilidade, não de faculdade, mas de um curso técnico. E foi, sim, presidente de duas empresas nos Estados Unidos. Não é mais porque elas faliram. (Não há aí nenhum demérito. As empresas eram uma incursão no mercado americano feita pelo Grupo Verdi, de São José do Rio Preto, em São Paulo. O grupo, que fatura 1,5 bilhão de reais por ano, tentou vender consórcios nos Estados Unidos no começo da década de 90, e comprou uma revendedora de caminhões. Waldemar Verdi Júnior, presidente do grupo, não se arrepende da empreitada: "As empresas não geraram lucro, mas nos deram experiência. Vimos como funcionava um mercado mais competitivo, e isso nos preparou para a realidade brasileira de hoje".) Marins também não é um leigo em antropologia. Além do curso na Austrália, ele fez créditos suficientes para concluir um mestrado da Universidade de São Paulo. Só que não escreveu a dissertação. "Era um aluno inteligente, disso eu me lembro", diz a professora aposentada Thekla Hartmann, que foi sua orientadora na época. Thekla não estranha que Marins não tenha concluído o mestrado. A cada ano, oito ou nove alunos se inscrevem no curso, mas apenas dois ou três escrevem a dissertação, que é o que dá o título de mestre. "A tese exige muito tempo de trabalho, é difícil para quem não tem bolsa", afirma Thekla. "Às vezes surgem outras oportunidades profissionais." Foi precisamente esse o caso de Marins. Surgiram outras oportunidades. Não há nenhum problema com isso. Não custa nada repetir: a carreira de consultor e palestrante não exige mestrado, muito menos doutorado. Para fazer o trabalho que faz, Marins está devidamente capacitado - pelo seu talento de comunicação, por seu esforço em atualizar-se, pela rede de contatos e pela organização que soube montar. Ao contrário, se Marins fosse e realmente se comportasse como doutor em antropologia, muito provavelmente isso atrapalharia, em vez de ajudar seu trabalho. Um consultor motivacional tem a característica básica de navegar por generalidades, bradar certezas absolutas, traçar panoramas apoiado em impressões, enfim, advertir que ouviu o galo cantar, ainda que não saiba onde. O saber acadêmico é praticamente o oposto disso. Só se pode dizer algo muito bem amparado em evidências, atendo-se a um campo propositadamente restrito, geralmente apontando novas dúvidas, mais do que certezas. Enfim, dizendo qual o tipo de galo que cantou, a que horas, minutos e segundos, em que posição geográfica estava, quantos decibéis seu cacarejo atingiu... Por que, então, Marins se orgulha tanto de seus pseudotítulos? É, talvez, vontade de exibir um sinal de vitória "deste caipira de Sorocaba", como ele se define. Ou talvez seja apenas uma fixação com a carreira acadêmica, que abandonou. É sintomático que, além de assinar-se Ph.D. e ser reitor de uma "universidade" corporativa, Marins tenha dado o nome de Universidade do Cavalo para a empresa que criou em 1997, um haras com pistas de treinamento e aulas para profissionais da equitação. (A empresa é dirigida por um dos filhos de Marins, veterinário. Um segundo filho, também veterinário, lida com gado, e um terceiro estuda administração nos Estados Unidos.) O problema não é que Marins não seja Ph.D. O problema é ele dizer que é. "Quando você chama alguém para fazer uma palestra para 200 pessoas, ele precisa ter algum tipo de reconhecimento", diz Marcos Aurélio Reitano, diretor de RH do BankBoston. "Se não for um título, tem de ser um reconhecimento de outro tipo, mas tem de ter." Reitano diz que o currículo de Marins não foi o fator preponderante quando o banco decidiu contratá-lo para uma palestra. Mas, se soubesse que seu currículo tinha sido enfeitado, provavelmente não o teria chamado. "Queremos uma relação de veracidade." Essa não é uma opinião generalizada. Vinicius Coube, vice-presidente da Tilibra, diz que os exageros no currículo de Marins não fazem diferença: "O que interessa é o talento que ele tem para conscientizar o empresário, a sua capacidade de produção. Em 1993, ele implantou em nossa empresa um dos nossos mantras, não se economize , no sentido de dar tudo de si. Desde então, nós o mantemos como um dos nossos gurus". Opinião semelhante tem Mauricio Luchetti, diretor de gente e qualidade da AmBev: "Marins trabalha com a companhia há anos. Nunca fomos checar seu currículo. O que nós sabíamos é que ele tem muitos contatos. E avaliamos o que ele entrega. Se o consultor não tem algo a dizer, dança. Se perdura, é porque algo de bom tem". O sucesso de Marins diz muito sobre o próprio mercado de palestras. Esse mercado se funda num paradoxo: buscam-se pessoas do mais alto gabarito possível, mas o que se exige delas é que falem platitudes. Esse papel, Marins também sabe exercer. Um exemplo: "O que é viver, antropologicamente falando? É voltar a minha vontade para o que eu estou fazendo agora", afirmou em palestra no quartel do Segundo Exército, no Ibirapuera, em São Paulo, há algumas semanas. Nenhum dos antropólogos que consultamos viu sentido na frase. Ou: "Vou contar uma curiosidade da antropologia para vocês: sabem por que nós entendemos o espanhol e os argentinos não entendem o português? É porque o português é a última flor do Lácio. Nossa língua se desenvolveu depois do espanhol". Ou, comentando os atos terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos: "O islamismo não tem vida após a morte. Eu sei porque estudei isso, foi minha tese na Austrália". À parte o fato de que Marins não tem tese na Austrália, o islamismo prega, sim, a existência de um paraíso e a imortalidade da alma. Ou, como ele escreveu no livro Socorro! Preciso de Motivação: "Durante o relaxamento, crie imagens mentais de sucesso. Faça isso antes de deitar-se e ao amanhecer, como ensinam as pessoas que sempre venceram na vida". Que fique bem claro: não há nada de errado com o mercado de palestras motivacionais. Se os efeitos dos gurus são extremamente difíceis de medir, se a maior parte do que falam não faz sentido, se eles ganham muito, muito dinheiro por isso, pouco importa. É um mercado livre. Do ponto de vista da empresa, eles custam pouco dinheiro. Ninguém é obrigado a contratar nenhum consultor, e, se contrata e volta a contratar, é porque está convencido de que ele ajuda. Como diz Luchetti, da AmBev: "A gente não gosta de jogar dinheiro no ralo. Enquanto acharmos que as idéias são boas, mantemos o negócio. Pelo preço que a gente paga, vale a pena". O próprio Marins tem consciência desse jogo. "O perigo é a gente se encantar pelo lado de palestrante, que dá um dinheiro fácil e a responsabilidade é quase nula." Ele diz preferir seu papel de consultor, no qual, aliás, tem reconhecimento. A AmBev o contrata para arejar a companhia com idéias de fora. O Grupo Verdi afirma que ele desenvolveu um amplo trabalho de treinamento a distância para funcionários de revendedoras, há 12 anos, o que ajudou a tornar uma de suas empresas, a Rodobens, líder no mercado de caminhões. Ótimo. É muito saudável para a economia que profissionais dispostos a vender um serviço encontrem clientes que queiram comprar. O que está errado é falsear as qualificações do produto. Não é preciso ser Ph.D. para saber disso.

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